por Milton L. Torres
MANNING, Brennan. O impostor que vive em mim. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
O livro de Manning é permeado daquele tipo prático de espiritualidade que nos torna mais humanos ao mesmo tempo em que nos aproxima de Deus. A obra parece, de fato, emanar da penosa experiência vivida pelo autor, quando superou o grave problema do alcoolismo para se dedicar à obra pastoral. A franqueza sobre os próprios fracassos e dissabores na vida nos impressiona. No entanto, ela também nos sinaliza de que mesmo as falhas podem conduzir à vitória espiritual.
O capítulo 1, “Saia do esconderijo” (p. 17-34) começa com a história do peru arrancado a Ruller (no conto “The Turkey”, de Flannery O’Connor). Segundo Manning (p. 19-20), “é como se nosso Deus fosse aquele que providencia perus com benevolência e os tira por simples capricho”. No entanto, um Deus assim é feito à imagem do homem. Dessa forma, nossas projeções de Deus se tornam um tipo de idolatria. O remédio para essa tendência é contrastar nossas projeções com a revelação de Jesus. Por isso, Manning fala da tristeza de Deus (1) pelo medo que temos dele (embora a queda não o impeça de nos amar), da vida e de nós mesmos; (2) pelo ódio que temos de nós mesmos; (3) porque tentamos nos esconder e, com o tempo, passamos “a acreditar que temos, de fato, a mesma aparência das máscaras que usamos” (p. 23); (4) porque não reconhecemos nossa insignificância, pois “o moralismo da igreja e a pressão para alcançar o sucesso transformam peregrinos cheios de expectativa a caminho da Nova Jerusalém numa trupe desanimada de Hamlets deprimidos” (p. 25-26); (5) porque rejeitamos a nós mesmos, o que se torna “o maior inimigo da vida espiritual porque contradiz a voz sagrada que nos chama de ‘amados’” (p. 26); (6) e porque duvidamos de seu amor. Segundo o autor, “Jesus removeu a mortalha do perfeccionismo” (p. 28) e, por essa razão, podemos abraçar a vulnerabilidade.
O capítulo 2, “O impostor” (p. 35-52), nos apresenta o perfil do impostor: (1) seu fraco é a aceitação e a aprovação; (2) perde o contato com os próprios sentimentos (co-dependência); (3) é aquilo que faz; (4) é mentiroso (tem uma fachada de papelão); (4) se preocupa com o próprio peso (“apesar de a saúde ser um fator válido e importante, a quantidade de energia e tempo dedicada a adquirir e manter um corpo esbelto é absurda”, p. 39); (5) exige atenção (“cada um vive à sombra de uma pessoa ilusória... a dedicação ao culto dessa sombra é o que se chama de ‘vida de pecado’” (p. 40); (6) faz acepção de pessoas; (7) não consegue ter intimidade, pois “seu narcisismo exclui os outros” (p. 44). Daí, a citação de Santo Agostinho: “amar a Deus até esquecer de si ou amar-se até esquecer e negar a Deus” (p. 41). Manning trata, então, das causas da impostura: (1) memórias reprimidas da infância; (2) covardia; (3) resistência interna à oração, pois “a oração é a morte de toda identidade que não procede de Deus” (p. 47); e (4) padrão de comportamento punitivo inconsciente (hostilidade).
O capítulo 3, “O amado” (p. 53-66), discute, a princípio, a questão da espiritualidade. Com base em suas leituras, Manning chega à conclusão de que (1) a espiritualidade não é uma esfera da vida, mas um modo de viver (cf. William L. H. Moon); (2) seu estágio mais elevado é o ser comum (cf. Thomas Merton); (3) é prejudicada pela falsa humildade (cf. John Eagan); (4) depende de nossa definição como “amados de Deus” (cf. John Eagan); (5) não comporta grandiloqüência (Mike Yaconelli); e (6) exige tempo a sós com Deus. A segunda parte do capítulo desenvolve, com mais detalhes, a definição do cristão como “amado de Deus”, especialmente com base em Is 43:1, 4 e 54:10. Na avaliação do próprio Manning, este capítulo parece ser o que tem provocado mais reações nas pessoas, tornando-se a principal razão por que o livro alcançou êxito e reputação.
O capítulo 4, “Filho de Deus” (p. 67-86), discute o sentimento de filiação para com Deus, descrevendo-o como (1) a ipsissima vox (expressão original e autêntica) de Jesus; (2) um convite e convocação de Jesus (Jo 1:12; Rm 8:14-16; 1 Jo 3:1); (3) fonte de ternura (que “nasce da segurança de saber que alguém gosta de nós de forma completa e sincera”, p. 70) no vínculo do Espírito Santo (Rm 5:5); (4) fonte de perdão (Lc 6:35); (5) liberação do espírito de juízo (pois “sempre que o evangelho é invocado para comprometer a dignidade de um filho de Deus, então é hora de se livrar desse tal evangelho para viver o verdadeiro”, p. 77); e (6) liberação do espírito de racismo e homofobia (pois, como diz Leon Tólstoi, “se as fantasias sexuais da pessoa comum fossem expostas, o mundo ficaria horrorizado”, p. 79). Manning insiste que “não somos a favor da vida simplesmente porque evitamos a morte” (p. 79). Por isso, “o caminho da ternura evita o fanatismo cego” (p. 80). Aliás, Manning deplora os embates entre conservadores e liberais, declarando que “nem a delicadeza liberal nem a truculência dos conservadores focam a questão da dignidade humana, sempre vestida com farrapos. Os filhos de Deus encontram uma terceira via. São guiados pela Palavra de Deus e apenas por ela” (p. 83). Para ele, a “religião restrita e separatista é um lugar isolado, um Éden coberto de mato, uma igreja na qual as pessoas vivem em uma alienação espiritual que as distancia de seus melhores talentos humanos” (p. 83).
No capítulo 5, “O fariseu e a criança” (p. 87-108), Manning defende a importância do sábado como memorial da criação e da aliança. Para ele, no entanto, a guarda do sábado foi deturpada por causa (1) do exílio babilônico e (2) da atuação dos fariseus (seu legalismo, sua ênfase em rituais visíveis; sua capacidade de transferir culpa; sua capacidade de condicionar a aceitação divina ao comportamento humano; sua susceptibilidade à espiritualidade terrorista; e suas duas falhas de relacionamento: adorar a si mesmos e desprezar as pessoas. Manning ainda nos lembra que “Jesus não morreu por obra de assaltantes, estupradores ou assassinos. Ele foi morto por pessoas profundamente religiosas, os membros mais respeitados da sociedade, que preferiram lavar as mãos” (p. 91). Para ele, “qualquer pessoa que tenha priorizado a lei, as regras e a tradição, e não o sofrimento dos outros, está na mesma situação dos fariseus” (p. 92). Manning defende o evangelho das crianças, pois estas (1) contrastam absolutamente com os fariseus; (2) expressam espontaneamente seus sentimentos; (3) têm semelhança íntima com Jesus; (4) resistem a métodos artificiais de espiritualização; (5) agem com indiferença aos estereótipos; e (6) não têm ambição. Por isso, Manning concorda com John Shea quando este afirma que “o natal não é um dia de ingenuidade e idealismo num ano de realismo incessante. É o dia da realidade num ano de ilusão. Ao acordar na manhã de natal, percebemos como andamos como sonâmbulos durante o resto do ano” (p. 104, n. 12). Apesar disso, Manning nos adverte que é preciso evitar as criancices.
O capítulo 6, “A atualidade da ressurreição” (p. 108-128), defende a importância da ressurreição para a teologia cristã: (1) como base da apologética; (2) como elemento distintivo do cristianismo; (3) como cerne da pregação evangélica; e (4) como sentido da vida. Segundo ele, a fé na ressurreição (1) não deve limitar a ressurreição ao passado ou ao futuro; (2) deve dar crédito ao “rumor dos anjos” (expressão usada por Peter Berger para descrever o toque de Deus em nossa vida); (3) deve contemplar a atualidade da ressurreição de Cristo como espírito vivificante (1 Co 15:45; 2 Co 3:17); (4) deve livrar-nos do pessimismo e do derrotismo (pois “naquilo que Shakespeare chamou de ‘o auge do sangue’, a vida parece ser mais ardente, os acontecimentos parecem ter mais significado, e a louca trama de cada dia parece conduzir a um propósito”, p. 120); (5) deve penetrar no mistério do mundo; (6) promove a integração da emoção com a razão, pois nos oferece a compreensão do verdadeiro milagre do evangelho e do impacto da oração; e (7) impulsiona o ministério. Manning cita a declaração de John McKenzie: “a espinha dorsal de nossa religião, quem sabe, talvez, de todas as religiões nesta geração confusa, é um punhado de obstinados numa casa de adoração quase vazia, que continua a fazer aquilo por força do trabalho; seja por hábito, lealdade, inércia, superstição, sentimentalismo ou, possivelmente, fé verdadeira” (p. 126). O autor conclui o capítulo com as três qualidades que considera essenciais para a sobrevivência do cristão em nossa época de “bombardeio da mídia, leitura superficial, conversas estéreis, oração mecânica e submissão aos sentidos” (p. 128): atenção (segundo Sócrates, “a vida desatenta não vale a pena”), consciência e disciplina. Com essas coisas será possível, inclusive, o resgate de nossa paixão.
O capítulo 7, “O resgate da paixão” (p. 129-146), abre com uma definição de paixão, tomada de Thomas Moore: “a energia essencial da paixão”. O autor ilustra a importância da paixão com a parábola do tesouro escondido e com a história de Leslie Robins, ganhador do maior prêmio pago pela loteria americana a um único apostador. Ao ser informado que ganhara 111 milhões de dólares, em 10-7-1993, Leslie tomou o avião para a Flórida a fim de reatar com Colleen DeVries, sua namorada de infância a quem jamais conseguira esquecer. Em seguida, o autor conta sua própria experiência de superação do alcoolismo e a história de um menino judeu chamado Mardoqueu que só foi curado de sua hiperatividade e desinteresse pelas coisas espirituais quando repousou a cabeça no peito do rabino de sua sinagoga e lhe ouviu o coração bater. Manning relaciona essa experiência ao relato bíblico da ceia (Jo 13:23-25). O autor conta, então, a história de um homem que sofria de câncer e aprendera a orar imaginando que Jesus ocupava a cadeira ao lado de sua cama. Ao falecer, recostou pacificamente a cabeça no assento da cadeira, reconhecendo a presença real de Jesus ali. Depois de meditar na experiência do apóstolo Pedro, Manning conclui o capítulo com a observação que “o resgate da paixão começa com a reavaliação do tesouro, continua quando permitimos ao Grande Rabino nos segurar perto de seu coração e culmina numa transformação pessoal para a qual nem estamos preparados” (p. 146).
O capítulo 8, “Determinação e fantasia” (p. 147-165), trata dos “relacionamentos controladores” os quais Manning identifica como sendo caracterizados pelo respeito às opiniões e pelo medo do ridículo que gera “uma mediocridade pavorosa”. Assim, o autor propõe que o cristão aja com independência (ou singularidade), mediante os seguintes princípios: (1) a paixão como determinação ferrenha; (2) o aprendizado que se transforma em amor; (3) a decisão corajosa de tomar decisões impopulares; (4) a dependência radical de Deus; (5) a profunda consciência da atualidade da ressurreição de Cristo; (6) a indiferença à opinião pública (isto é, a autonomia e a libertação da escravidão imposta pela aprovação humana); e (7) a primazia do “ser” sobre o “fazer”. Segundo Manning, o foco farisaico produz, com seus rituais infindáveis, a anulação da religião autêntica. Apesar da importância do “ser”, o autor nos lembra que o “fazer” é que nos define, pois (1) a teoria tem um lado sombrio; (2) o “ser” pode ser uma mera ilusão; e (3) Jesus nos legou um exemplo notável de serviço e ele opta por continuar servo mesmo no banquete escatológico (Lc 12:37). Em seguida, Manning expressa sua preocupação com o fascínio mórbido que o Apocalipse exerce sobre algumas pessoas e que gera um pânico alarmista baseado em eventos temporais (isto é, cada evento a história é interpretado pelos “relações públicas do Apocalipse” como sendo o cumprimento de alguma profecia). Por isso, o autor nos conclama a abandonar nossa “fantasia da invencibilidade”. Segundo ele, a consciência profunda da morte é rara entre os cristãos e, por essa razão, constitui o maior desafio à fé. Essa consciência produz, no entanto, uma drástica mudança de vida, pois o medo da morte é análogo ao medo da vida. Além disso, a negação da morte não é uma opção saudável. Só podemos receber alento, em relação a essa impossibilidade humana, a partir da consciência da ressurreição de Cristo.
O nono e último capítulo, “O pulsar do coração do Mestre” (p. 167-186), trata do ilimitado amor de Deus, que é reconhecido pelos autores contemporâneos e explicitado no evangelho de João. Esse amor provoca reações na pessoa comum, no diletante, no cínico e nos sinceros. Por isso, Manning evoca a declaração de Eugene Peterson, segundo a qual, “as Escrituras não existem para entreter. Nem para divertir. Nem para a cultura. Não são a chave que destranca segredos do futuro” (p. 169). O amor de Deus é, ainda, nossa fonte de perdão, mas requer nosso arrependimento em relação (1) aos pecados veniais, (2) à pecaminosidade humana, (3) ao maior pecado (que é perder o senso do pecado), (4) à essência do pecado (que é sermos autocentrados), e (5) à espiritualidade fingida. O amor de Deus é a base da obra de reconciliação de Cristo: (1) contra as amarras da hipocrisia; (2) para demonstrar que nada pode nos separar do amor de Deus; (3) para demonstrar que até o pecado pode se tornar uma bênção (quando encaramos nossa capacidade de fazer o mal e, pela graça, a convertemos em força construtiva); (4) para demonstrar que as feridas são necessárias; e (5) para demonstrar que a intimidade com Deus é essencial. Nesse contexto Manning relata a história do homem que vivia dentro de um contêiner, na Austrália, para fugir da vida. Quando o contêiner foi perfurado por balas, que também atingiram seu morador, orifícios se abriram pelos quais este podia observar a vida comum das pessoas ao seu redor. Isso o recuperou para a vida em sociedade: as feridas são, de fato, necessárias. Para Manning, se conseguirmos aceitar a Jesus como Mestre, então (1) desenvolveremos uma nova teologia sobre os judeus (segundo ele, “ser antissemita é cuspir no rosto de nosso Salvador judeu”, p. 182); (2) teremos uma experiência trinitária; (3) constataremos que não estamos sozinhos “na estrada de tijolos amarelos”; (4) teremos uma nova compreensão do discipulado; (5) constataremos que paixão significa sofrimento e (6) perceberemos a vulnerabilidade de Deus.
Manning conclui a obra com vislumbres do reconhecimento do que a tradição judaica chama de Kabod Yahweh, a “majestade esmagadora de Deus”. O resgate da paixão está intimamente ligado à perplexidade quanto à força esmagadora desse mistério. Segundo ele, “nós nos movemos do cenáculo, onde João deitou sua cabeça no peito de Jesus, para o livro do Apocalipse, em que o discípulo amado cai prostrado diante do Cordeiro de Deus” (p. 186).
MANNING, Brennan. O impostor que vive em mim. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
O livro de Manning é permeado daquele tipo prático de espiritualidade que nos torna mais humanos ao mesmo tempo em que nos aproxima de Deus. A obra parece, de fato, emanar da penosa experiência vivida pelo autor, quando superou o grave problema do alcoolismo para se dedicar à obra pastoral. A franqueza sobre os próprios fracassos e dissabores na vida nos impressiona. No entanto, ela também nos sinaliza de que mesmo as falhas podem conduzir à vitória espiritual.
O capítulo 1, “Saia do esconderijo” (p. 17-34) começa com a história do peru arrancado a Ruller (no conto “The Turkey”, de Flannery O’Connor). Segundo Manning (p. 19-20), “é como se nosso Deus fosse aquele que providencia perus com benevolência e os tira por simples capricho”. No entanto, um Deus assim é feito à imagem do homem. Dessa forma, nossas projeções de Deus se tornam um tipo de idolatria. O remédio para essa tendência é contrastar nossas projeções com a revelação de Jesus. Por isso, Manning fala da tristeza de Deus (1) pelo medo que temos dele (embora a queda não o impeça de nos amar), da vida e de nós mesmos; (2) pelo ódio que temos de nós mesmos; (3) porque tentamos nos esconder e, com o tempo, passamos “a acreditar que temos, de fato, a mesma aparência das máscaras que usamos” (p. 23); (4) porque não reconhecemos nossa insignificância, pois “o moralismo da igreja e a pressão para alcançar o sucesso transformam peregrinos cheios de expectativa a caminho da Nova Jerusalém numa trupe desanimada de Hamlets deprimidos” (p. 25-26); (5) porque rejeitamos a nós mesmos, o que se torna “o maior inimigo da vida espiritual porque contradiz a voz sagrada que nos chama de ‘amados’” (p. 26); (6) e porque duvidamos de seu amor. Segundo o autor, “Jesus removeu a mortalha do perfeccionismo” (p. 28) e, por essa razão, podemos abraçar a vulnerabilidade.
O capítulo 2, “O impostor” (p. 35-52), nos apresenta o perfil do impostor: (1) seu fraco é a aceitação e a aprovação; (2) perde o contato com os próprios sentimentos (co-dependência); (3) é aquilo que faz; (4) é mentiroso (tem uma fachada de papelão); (4) se preocupa com o próprio peso (“apesar de a saúde ser um fator válido e importante, a quantidade de energia e tempo dedicada a adquirir e manter um corpo esbelto é absurda”, p. 39); (5) exige atenção (“cada um vive à sombra de uma pessoa ilusória... a dedicação ao culto dessa sombra é o que se chama de ‘vida de pecado’” (p. 40); (6) faz acepção de pessoas; (7) não consegue ter intimidade, pois “seu narcisismo exclui os outros” (p. 44). Daí, a citação de Santo Agostinho: “amar a Deus até esquecer de si ou amar-se até esquecer e negar a Deus” (p. 41). Manning trata, então, das causas da impostura: (1) memórias reprimidas da infância; (2) covardia; (3) resistência interna à oração, pois “a oração é a morte de toda identidade que não procede de Deus” (p. 47); e (4) padrão de comportamento punitivo inconsciente (hostilidade).
O capítulo 3, “O amado” (p. 53-66), discute, a princípio, a questão da espiritualidade. Com base em suas leituras, Manning chega à conclusão de que (1) a espiritualidade não é uma esfera da vida, mas um modo de viver (cf. William L. H. Moon); (2) seu estágio mais elevado é o ser comum (cf. Thomas Merton); (3) é prejudicada pela falsa humildade (cf. John Eagan); (4) depende de nossa definição como “amados de Deus” (cf. John Eagan); (5) não comporta grandiloqüência (Mike Yaconelli); e (6) exige tempo a sós com Deus. A segunda parte do capítulo desenvolve, com mais detalhes, a definição do cristão como “amado de Deus”, especialmente com base em Is 43:1, 4 e 54:10. Na avaliação do próprio Manning, este capítulo parece ser o que tem provocado mais reações nas pessoas, tornando-se a principal razão por que o livro alcançou êxito e reputação.
O capítulo 4, “Filho de Deus” (p. 67-86), discute o sentimento de filiação para com Deus, descrevendo-o como (1) a ipsissima vox (expressão original e autêntica) de Jesus; (2) um convite e convocação de Jesus (Jo 1:12; Rm 8:14-16; 1 Jo 3:1); (3) fonte de ternura (que “nasce da segurança de saber que alguém gosta de nós de forma completa e sincera”, p. 70) no vínculo do Espírito Santo (Rm 5:5); (4) fonte de perdão (Lc 6:35); (5) liberação do espírito de juízo (pois “sempre que o evangelho é invocado para comprometer a dignidade de um filho de Deus, então é hora de se livrar desse tal evangelho para viver o verdadeiro”, p. 77); e (6) liberação do espírito de racismo e homofobia (pois, como diz Leon Tólstoi, “se as fantasias sexuais da pessoa comum fossem expostas, o mundo ficaria horrorizado”, p. 79). Manning insiste que “não somos a favor da vida simplesmente porque evitamos a morte” (p. 79). Por isso, “o caminho da ternura evita o fanatismo cego” (p. 80). Aliás, Manning deplora os embates entre conservadores e liberais, declarando que “nem a delicadeza liberal nem a truculência dos conservadores focam a questão da dignidade humana, sempre vestida com farrapos. Os filhos de Deus encontram uma terceira via. São guiados pela Palavra de Deus e apenas por ela” (p. 83). Para ele, a “religião restrita e separatista é um lugar isolado, um Éden coberto de mato, uma igreja na qual as pessoas vivem em uma alienação espiritual que as distancia de seus melhores talentos humanos” (p. 83).
No capítulo 5, “O fariseu e a criança” (p. 87-108), Manning defende a importância do sábado como memorial da criação e da aliança. Para ele, no entanto, a guarda do sábado foi deturpada por causa (1) do exílio babilônico e (2) da atuação dos fariseus (seu legalismo, sua ênfase em rituais visíveis; sua capacidade de transferir culpa; sua capacidade de condicionar a aceitação divina ao comportamento humano; sua susceptibilidade à espiritualidade terrorista; e suas duas falhas de relacionamento: adorar a si mesmos e desprezar as pessoas. Manning ainda nos lembra que “Jesus não morreu por obra de assaltantes, estupradores ou assassinos. Ele foi morto por pessoas profundamente religiosas, os membros mais respeitados da sociedade, que preferiram lavar as mãos” (p. 91). Para ele, “qualquer pessoa que tenha priorizado a lei, as regras e a tradição, e não o sofrimento dos outros, está na mesma situação dos fariseus” (p. 92). Manning defende o evangelho das crianças, pois estas (1) contrastam absolutamente com os fariseus; (2) expressam espontaneamente seus sentimentos; (3) têm semelhança íntima com Jesus; (4) resistem a métodos artificiais de espiritualização; (5) agem com indiferença aos estereótipos; e (6) não têm ambição. Por isso, Manning concorda com John Shea quando este afirma que “o natal não é um dia de ingenuidade e idealismo num ano de realismo incessante. É o dia da realidade num ano de ilusão. Ao acordar na manhã de natal, percebemos como andamos como sonâmbulos durante o resto do ano” (p. 104, n. 12). Apesar disso, Manning nos adverte que é preciso evitar as criancices.
O capítulo 6, “A atualidade da ressurreição” (p. 108-128), defende a importância da ressurreição para a teologia cristã: (1) como base da apologética; (2) como elemento distintivo do cristianismo; (3) como cerne da pregação evangélica; e (4) como sentido da vida. Segundo ele, a fé na ressurreição (1) não deve limitar a ressurreição ao passado ou ao futuro; (2) deve dar crédito ao “rumor dos anjos” (expressão usada por Peter Berger para descrever o toque de Deus em nossa vida); (3) deve contemplar a atualidade da ressurreição de Cristo como espírito vivificante (1 Co 15:45; 2 Co 3:17); (4) deve livrar-nos do pessimismo e do derrotismo (pois “naquilo que Shakespeare chamou de ‘o auge do sangue’, a vida parece ser mais ardente, os acontecimentos parecem ter mais significado, e a louca trama de cada dia parece conduzir a um propósito”, p. 120); (5) deve penetrar no mistério do mundo; (6) promove a integração da emoção com a razão, pois nos oferece a compreensão do verdadeiro milagre do evangelho e do impacto da oração; e (7) impulsiona o ministério. Manning cita a declaração de John McKenzie: “a espinha dorsal de nossa religião, quem sabe, talvez, de todas as religiões nesta geração confusa, é um punhado de obstinados numa casa de adoração quase vazia, que continua a fazer aquilo por força do trabalho; seja por hábito, lealdade, inércia, superstição, sentimentalismo ou, possivelmente, fé verdadeira” (p. 126). O autor conclui o capítulo com as três qualidades que considera essenciais para a sobrevivência do cristão em nossa época de “bombardeio da mídia, leitura superficial, conversas estéreis, oração mecânica e submissão aos sentidos” (p. 128): atenção (segundo Sócrates, “a vida desatenta não vale a pena”), consciência e disciplina. Com essas coisas será possível, inclusive, o resgate de nossa paixão.
O capítulo 7, “O resgate da paixão” (p. 129-146), abre com uma definição de paixão, tomada de Thomas Moore: “a energia essencial da paixão”. O autor ilustra a importância da paixão com a parábola do tesouro escondido e com a história de Leslie Robins, ganhador do maior prêmio pago pela loteria americana a um único apostador. Ao ser informado que ganhara 111 milhões de dólares, em 10-7-1993, Leslie tomou o avião para a Flórida a fim de reatar com Colleen DeVries, sua namorada de infância a quem jamais conseguira esquecer. Em seguida, o autor conta sua própria experiência de superação do alcoolismo e a história de um menino judeu chamado Mardoqueu que só foi curado de sua hiperatividade e desinteresse pelas coisas espirituais quando repousou a cabeça no peito do rabino de sua sinagoga e lhe ouviu o coração bater. Manning relaciona essa experiência ao relato bíblico da ceia (Jo 13:23-25). O autor conta, então, a história de um homem que sofria de câncer e aprendera a orar imaginando que Jesus ocupava a cadeira ao lado de sua cama. Ao falecer, recostou pacificamente a cabeça no assento da cadeira, reconhecendo a presença real de Jesus ali. Depois de meditar na experiência do apóstolo Pedro, Manning conclui o capítulo com a observação que “o resgate da paixão começa com a reavaliação do tesouro, continua quando permitimos ao Grande Rabino nos segurar perto de seu coração e culmina numa transformação pessoal para a qual nem estamos preparados” (p. 146).
O capítulo 8, “Determinação e fantasia” (p. 147-165), trata dos “relacionamentos controladores” os quais Manning identifica como sendo caracterizados pelo respeito às opiniões e pelo medo do ridículo que gera “uma mediocridade pavorosa”. Assim, o autor propõe que o cristão aja com independência (ou singularidade), mediante os seguintes princípios: (1) a paixão como determinação ferrenha; (2) o aprendizado que se transforma em amor; (3) a decisão corajosa de tomar decisões impopulares; (4) a dependência radical de Deus; (5) a profunda consciência da atualidade da ressurreição de Cristo; (6) a indiferença à opinião pública (isto é, a autonomia e a libertação da escravidão imposta pela aprovação humana); e (7) a primazia do “ser” sobre o “fazer”. Segundo Manning, o foco farisaico produz, com seus rituais infindáveis, a anulação da religião autêntica. Apesar da importância do “ser”, o autor nos lembra que o “fazer” é que nos define, pois (1) a teoria tem um lado sombrio; (2) o “ser” pode ser uma mera ilusão; e (3) Jesus nos legou um exemplo notável de serviço e ele opta por continuar servo mesmo no banquete escatológico (Lc 12:37). Em seguida, Manning expressa sua preocupação com o fascínio mórbido que o Apocalipse exerce sobre algumas pessoas e que gera um pânico alarmista baseado em eventos temporais (isto é, cada evento a história é interpretado pelos “relações públicas do Apocalipse” como sendo o cumprimento de alguma profecia). Por isso, o autor nos conclama a abandonar nossa “fantasia da invencibilidade”. Segundo ele, a consciência profunda da morte é rara entre os cristãos e, por essa razão, constitui o maior desafio à fé. Essa consciência produz, no entanto, uma drástica mudança de vida, pois o medo da morte é análogo ao medo da vida. Além disso, a negação da morte não é uma opção saudável. Só podemos receber alento, em relação a essa impossibilidade humana, a partir da consciência da ressurreição de Cristo.
O nono e último capítulo, “O pulsar do coração do Mestre” (p. 167-186), trata do ilimitado amor de Deus, que é reconhecido pelos autores contemporâneos e explicitado no evangelho de João. Esse amor provoca reações na pessoa comum, no diletante, no cínico e nos sinceros. Por isso, Manning evoca a declaração de Eugene Peterson, segundo a qual, “as Escrituras não existem para entreter. Nem para divertir. Nem para a cultura. Não são a chave que destranca segredos do futuro” (p. 169). O amor de Deus é, ainda, nossa fonte de perdão, mas requer nosso arrependimento em relação (1) aos pecados veniais, (2) à pecaminosidade humana, (3) ao maior pecado (que é perder o senso do pecado), (4) à essência do pecado (que é sermos autocentrados), e (5) à espiritualidade fingida. O amor de Deus é a base da obra de reconciliação de Cristo: (1) contra as amarras da hipocrisia; (2) para demonstrar que nada pode nos separar do amor de Deus; (3) para demonstrar que até o pecado pode se tornar uma bênção (quando encaramos nossa capacidade de fazer o mal e, pela graça, a convertemos em força construtiva); (4) para demonstrar que as feridas são necessárias; e (5) para demonstrar que a intimidade com Deus é essencial. Nesse contexto Manning relata a história do homem que vivia dentro de um contêiner, na Austrália, para fugir da vida. Quando o contêiner foi perfurado por balas, que também atingiram seu morador, orifícios se abriram pelos quais este podia observar a vida comum das pessoas ao seu redor. Isso o recuperou para a vida em sociedade: as feridas são, de fato, necessárias. Para Manning, se conseguirmos aceitar a Jesus como Mestre, então (1) desenvolveremos uma nova teologia sobre os judeus (segundo ele, “ser antissemita é cuspir no rosto de nosso Salvador judeu”, p. 182); (2) teremos uma experiência trinitária; (3) constataremos que não estamos sozinhos “na estrada de tijolos amarelos”; (4) teremos uma nova compreensão do discipulado; (5) constataremos que paixão significa sofrimento e (6) perceberemos a vulnerabilidade de Deus.
Manning conclui a obra com vislumbres do reconhecimento do que a tradição judaica chama de Kabod Yahweh, a “majestade esmagadora de Deus”. O resgate da paixão está intimamente ligado à perplexidade quanto à força esmagadora desse mistério. Segundo ele, “nós nos movemos do cenáculo, onde João deitou sua cabeça no peito de Jesus, para o livro do Apocalipse, em que o discípulo amado cai prostrado diante do Cordeiro de Deus” (p. 186).
Nenhum comentário:
Postar um comentário