segunda-feira, 7 de março de 2011

Morar no céu ou na terra?*

Lembro-me quando mais jovem, ao dar início a meus estudos bíblicos, eu pensava: Se um dia houver um destino final para os santos, este destino tem que estar nos últimos capítulos da Bíblia. Minha resposta prévia e expectativa era encontrar o que lá? O céu, naturalmente, afinal, os cânticos, os pastores, minha mãe, todos falavam que um dia os justos morariam naquele lugar.

Para minha surpresa o que encontrei lá foi o seguinte texto:
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. (Apocalipse 21:1-3)
O que me surpreendeu em uma leitura simples do texto, foi que a história bíblica não encerrava com pessoas indo ao céu, mas ao contrário, alguma coisa do céu vinha de encontro a uma terra renovada. Depois as descrições dos últimos capítulos mostram uma terra maravilhosa, com povos e nações subindo a Nova Jerusalém para levar suas riquezas e honras.

Assim, descobri que a Bíblia não é um livro que convida os homens a escaparem do mundo, a salvação envolve uma restauração da própria criação. O mundo criado por Deus é muito bom, conforme encontramos em Gênesis, e mais, assim como Deus inaugura um novo homem pela ressurreição de Cristo, ele inaugura também uma terra nova.

Outra coisa que descobri é que temos que ter cuidado com o termo "novo" na Bíblia, esta expressão não tem o sentido moderno de "algo que substitui o velho", o termo tem raízes no hebraico, a expressão chadásh [חדש]. Chadásh tem ligações semânticas com o termo hebraico para lua - chôdesh - que é um astro cuja aparição se renova de um ciclo ao outro, daí as celebrações da lua nova [rosh chodêsh] no calendário judaico, como uma celebração da renovação dos meses neste calendário lunar.

A expressão "novo céu e nova terra" não é a inauguração de um novo planeta, mas arenovação da criação de Deus inaugurada no Gênesis, que depois de processos de fusão e purificação, será reapresentada renovada, restaurada e recondicionada para os santos. Paulo em sua carta ao Romanos assevera este ponto quando diz:
A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. (Rm 8:19-23).

Interessante como o cristianismo em suas principais correntes, como aquelas oriundas do pietismo evangélico, tem dificuldade com esta abordagem. Entretanto, os discípulos e os apóstolos, bem como os ramos reformados do cristianismo, entre seus pioneiros, não acreditavam em uma fuga do mundo, um escapismo doutrinário, ao contrário, encaravam a criação e sua presença na história de forma positiva, pois sabiam que sua ação na "terra" é antecipatória do Reino que está para ser desvelar perante os homens.
Uma teologia de fuga da realidade, que propõe que a terra se destruirá em um hecatombe final, afeta profundamente a atuação dos homens em seu tempo presente. Privando-os de atuarem como co-regentes da terra que será em breve redimida e que está em gemidos, aguardando a plena revelação dos filhos de Deus.

"Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra." (Mateus 5:5)

Por Igor Miguel

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